
A cerimônia de posse de Donald Trump, marcada para 20 de janeiro, contará com um esquema de segurança reforçado, incluindo medidas como barricadas, vidros blindados, atiradores de elite e veículos à prova de explosões. Essa atenção redobrada ocorre após o presidente eleito sofrer duas tentativas de assassinato durante a campanha eleitoral. No entanto, além das precauções visíveis, um protocolo menos conhecido, mas igualmente importante, será ativado: o “sobrevivente designado”.
Esse procedimento, criado durante a Guerra Fria, reflete a preocupação do governo dos Estados Unidos com a continuidade de poder em caso de catástrofes. A lógica é clara: ao reunir as figuras mais importantes do país em um único local, como no caso da posse presidencial, existe o risco de um ataque em grande escala eliminar toda a linha sucessória. Para evitar um vácuo de poder, um integrante da linha de sucessão é mantido em um local seguro e secreto, longe do evento, pronto para assumir a presidência caso o pior aconteça.
“O sobrevivente designado é essencial para assegurar que, mesmo diante de uma tragédia, o governo dos Estados Unidos continue funcionando”, explica John Fortier, ex-diretor da Comissão de Continuidade de Governo, em entrevista à CNN.
Quem é o sobrevivente designado?
Embora o nome do escolhido para ser o “sobrevivente designado” durante a posse de Trump não seja divulgado ao público, o protocolo segue critérios rigorosos. A pessoa selecionada deve ser alguém da linha sucessória presidencial que atenda aos requisitos constitucionais para assumir o cargo de presidente: ser cidadão nato dos Estados Unidos, ter pelo menos 35 anos de idade e ter residido no país por pelo menos 14 anos.
Geralmente, o escolhido é alguém do baixo escalão do gabinete presidencial, como um secretário de departamento que não esteja diretamente envolvido nas cerimônias do dia. Essa pessoa é levada para um local sigiloso, normalmente fora de Washington, acompanhada por agentes do Serviço Secreto, um oficial das Forças Armadas que carrega a chamada “mala nuclear” (com os códigos de lançamento de armas nucleares) e, frequentemente, um médico.
O protocolo do “sobrevivente designado” não é exclusivo da posse presidencial. Ele também é ativado durante eventos como o discurso anual do Estado da União, no qual o presidente se dirige ao Congresso. Durante esse discurso, todos os membros do gabinete, juízes da Suprema Corte, parlamentares e líderes militares estão reunidos no Capitólio, tornando o risco de um ataque devastador mais preocupante.
Em 2024, o secretário de Educação, Miguel Cardona, foi o escolhido para ser o sobrevivente designado durante o discurso do Estado da União. Em anos anteriores, outros nomes inusitados ocuparam essa posição, como Dan Glickman, ex-secretário de Agricultura no governo Bill Clinton.
“Fui levado para o apartamento da minha filha em Nova York, acompanhado por agentes do Serviço Secreto e um oficial militar com a mala nuclear. Quando o discurso acabou e todos estavam seguros, os agentes foram embora e eu fiquei sozinho, sem nem conseguir uma carona para casa no meio de uma nevasca”, relatou Glickman à CNN.
Complexidade da posse presidencial e as duas linhas sucessórias
A posse presidencial apresenta um cenário único, pois há duas administrações envolvidas no processo: a que está deixando o poder e a que está assumindo. Segundo John Fortier, a linha sucessória no dia da posse é dividida entre essas duas administrações, e isso pode criar situações atípicas em caso de tragédia.
“No dia 20 de janeiro, os Estados Unidos podem acabar com um presidente da administração anterior, caso algo aconteça antes que o novo presidente tome posse e seus indicados sejam confirmados pelo Senado”, afirmou Fortier.
A Constituição dos Estados Unidos estabelece que a linha de sucessão começa com o vice-presidente, seguido pelo presidente da Câmara dos Deputados, pelo presidente pro tempore do Senado e, em seguida, pelos chefes dos departamentos do gabinete presidencial, como os secretários de Estado, Tesouro, Defesa e assim por diante.
No entanto, às 12h do dia 20 de janeiro, todos os secretários da administração anterior renunciam automaticamente, conforme determina a Constituição. Ao mesmo tempo, os secretários da nova administração ainda não terão assumido formalmente, pois dependem da aprovação do Senado. Isso cria uma lacuna na linha sucessória.
Caso ocorra uma tragédia nesse período, a presidência pode recair sobre o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado, o mais alto cargo não político da diplomacia americana. Esse funcionário público de carreira não depende de nomeação presidencial e, portanto, permanece no cargo independentemente da administração vigente. Atualmente, essa posição é ocupada por John Bass, um diplomata experiente.
Preocupação histórica e ficção
Embora o cenário de uma tragédia durante a posse presidencial seja altamente improvável, a preocupação com a continuidade de governo é uma característica marcante da política americana, especialmente desde a Guerra Fria. O protocolo do “sobrevivente designado” é uma demonstração clara dessa mentalidade, garantindo que o país nunca enfrente um vácuo de poder, mesmo nas situações mais extremas.
Esse conceito inspirou a série de televisão “Designated Survivor”, lançada em 2016 pela Netflix, na qual um atentado durante o discurso do Estado da União elimina toda a linha de sucessão, e um secretário de baixo escalão, interpretado por Kiefer Sutherland, assume a presidência. Embora fictícia, a série trouxe ao público a noção de que tais protocolos realmente existem e são levados a sério.
Implicações e simbolismo
A posse de Donald Trump em 2025, marcada por um clima de tensão devido às tentativas de assassinato durante sua campanha, reforça a importância desses protocolos. O esquema de segurança robusto e a ativação do protocolo do “sobrevivente designado” não apenas garantem a continuidade do governo, mas também simbolizam a resiliência das instituições democráticas dos Estados Unidos.
Embora seja quase impossível prever todos os cenários catastróficos que poderiam ocorrer, a existência de medidas como essas demonstra o compromisso do país em preservar sua estabilidade política e governamental. Afinal, a continuidade de poder é essencial para que os Estados Unidos mantenham sua posição de liderança global, mesmo diante de desafios internos ou externos.
Nesse contexto, o “sobrevivente designado” não é apenas uma figura discreta escondida em um local seguro, mas uma representação do planejamento e da preparação que sustentam a democracia americana, mesmo em momentos de maior incerteza.